terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O PAÍS DOS POÇOS

“Era uma vez o país dos poços. Qualquer visitante estranho que chegasse àquele país só conseguia ver poços: grandes, pequenos, feios, bonitos, ricos, pobres... À volta dos poços, pouca vegetação. A terra estava seca!

Os poços falavam entre si, mas à distância e gabavam-se daquilo que tinham nas suas bocas, mas havia sempre um pedaço de terra entre eles. Na realidade, quem falava era a boca do poço e dava a impressão que ao falar ressoava um eco, porque na verdade a fala provinha de lugares ocos.

Como a boca dos poços estava oca, os poços davam a sensação de vazio, de angústia e cada um procurava encher esse vazio como podia: com coisas, ruídos, sensações raras, livros, sabedorias... Havia poços com a boca tão larga que permitia colocar nela muitas coisas. As coisas, com o tempo, passavam de moda: então, com as mudanças, chegavam continuamente coisas novas aos poços, coisas diferentes... e quem possuía muitas coisas era o mais respeitado, admirado. Mas, no fundo, o poço nunca estava contente com o que possuía. A boca estava sempre ressequida e sedenta.

Diante desta sensação tão rara, uns sentiam medo e procuravam não voltar a senti-la. Outros, encontravam tantas dificuldades por causa das coisas que abarrotavam das suas bocas, que se punham a rir e logo esqueciam aquilo que se "encontrava no fundo"...
Até que houve alguém que começou a olhar mais para o fundo do poço e, entusiasmado com aquela sensação que experimentou no seu interior, procurou ficar quieto, mas, como as coisas que abarrotavam a sua boca o incomodavam, procurou libertar-se delas. E, aos poucos, os ruídos silenciaram, até chegar o silêncio completo. Então, fazendo-se silêncio na boca do poço, pôde escutar-se o barulho da água lá no fundo e sentir-se uma paz profunda, uma paz que vinha do fundo do poço.

No fundo, ele sentia-se ele mesmo. Até então acreditava que a sua razão de ser era ter uma boca larga, rica e embelezada, bem cheia de coisas... E assim, enquanto os outros poços tratavam de alargar a sua boca, para que nela coubessem mais coisas, este poço, olhando para o seu interior, descobriu que aquilo que ele tinha de melhor estava bem no fundo e que, quanto mais profundidade tivesse mais poço seria.

Feliz com a sua descoberta, procurou tirar água do seu interior, e a água, ao sair, refrescava a terra e tornava-a fértil e logo as flores brotavam ao seu redor.

A notícia espalhou-se rapidamente e as reações foram diversas: uns mostravam-se céticos, outros sentiam saudade de algo que, no fundo, percebiam também e outros ainda desprezavam "aquele lirismo" e achavam perda de tempo tirar água do seu interior.

Sem dúvida alguns tentaram fazer a experiência de se libertar das coisas que enchiam a boca e acabavam por encontrar água no seu interior. A partir de então comprovaram que, por mais água que tirassem do interior do poço, este não esvaziava. A seguir, aprofundando mais para o interior, descobriram que todos os poços estavam unidos por aquilo que lhes dava razão de ser: a água.

Assim começou uma comunicação profunda entre eles, as paredes dos poços deixaram de ser barreiras entre eles, já que a comunicação passou a ser feita através da água que os unia.

Mas a descoberta mais sensacional veio depois, quando os poços já viviam em profundidade: chegaram à conclusão que a água que lhes dava vida não nascia em cada poço, mas sim num lugar comum a todos eles. Então, resolveram seguir a corrente da água e descobriram o manancial! O manancial estava bem longe: na montanha do país dos poços, e ninguém sabia da sua presença. Mas estava lá!

A montanha sempre esteve lá. Umas vezes apenas visível entre as nuvens, outras mais radiante... Desde então, os poços que haviam descoberto a razão do seu ser, esforçaram-se por aumentar o seu interior e aumentar a sua profundidade, para que o manancial pudesse chegar mais facilmente até eles. E a água que tiravam de si mesmos tornou fértil a terra ao seu redor.
        
Mas, por muito que uns tivessem encontrado o manancial ainda havia outros que ainda se entretinham a encher as suas bocas com adereços…”

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