A atual celebração introduzida pelo novo calendário
romano universal se refere aos Protomártires da Igreja de Roma, vítimas da
perseguição de Nero, em seguida ao incêndio de Roma, ocorrido a 19 de julho de
64.
Logo após a celebração da memória de São Pedro e São
Paulo, o calendário recorda os Primeiros Mártires da Igreja de Roma, que foram
falsamente acusados por Nero de incendiar a Cidade em 19 de julho de 64 e, por
isso, condenados à morte depois de muitas torturas. Todos eram discípulos dos
apóstolos e foram os primeiros mártires da santa Igreja romana, antes da morte
dos apóstolos. A perseguição continuou até o ano 67 com a decapitação de São
Paulo.
Entre os mais ilustres mártires está o príncipe dos
apóstolos, crucificado no circo de Nero, onde surgiu a basílica de são Pedro, e
o apóstolo dos gentios, são Paulo, decapitado nas Águas Salvianas e sepultado
na via Ostiense. Após a festividade conjunta dos dois apóstolos, o novo
calendário quis justamente celebrar a memória dos numerosos mártires que não
tiveram um lugar especial na liturgia.
Os santos protomártires da Santa Igreja Romana, que,
acusados de provocar o incêndio da Urbe, por ordem do imperador Nero foram
cruelmente mortos com vários suplícios: uns foram expostos aos cães cobertos
com peles de animais e por eles devorados; outros crucificados e outros
lançados ao fogo, para que, ao declinar o dia, servissem de lâmpadas noturnas.
Todos eles eram discípulos dos Apóstolos e primícias dos mártires que a Igreja
Romana ofereceu ao Senhor.
O primeiro ato do drama de seu martírio teve início na
noite de 19 de julho do ano 64, com os repetidos toques de trombetas dos vigias
postados em pontos chave da Capital do mundo. Toques de alerta, bem conhecidos
e temidos, logo seguidos dos primeiros gritos: “Fogo!… Fogo!… Fogo!”
Um incêndio dotado de grande poder destruidor.
Este fato é atestado pelo escritor pagão Tácito (Annales
15, 44) e por são Clemente, bispo de Roma, na sua Epístola aos Coríntios (cap.
5-6).
Nessa cidade superpovoada, com bairros pobres nos quais
se amontoavam casas de madeira, um incêndio não passava de um acidente
corriqueiro. Este, porém, logo revelou ser dotado de grande poder destruidor.
Em poucos minutos os brados de “Fogo!”, cada vez mais apavorados, se espalharam
pelas ruas do bairro popular do Grande Circo e logo depois por outros bairros.
As chamas pareciam ter-se estendido por várias regiões ao
mesmo tempo, devorando implacavelmente lojas comerciais e residências.
Encontrando em seu caminho alguns depósitos de óleo e outros materiais
combustíveis, alastraram-se por toda a região em torno dos montes Palatino e
Célio. Quando por fim elas se apagaram, seis dias depois, haviam destruído dez
dos quatorze bairros da grande Metrópole imperial. Tão pavorosa fora a
catástrofe que se tornou impossível calcular o número de mortos.
Durante esses terríveis dias, grandes grupos de homens
impediam, por meio de ameaças, a ação de todos quantos queriam apagar o
incêndio. Mais ainda, todos os historiadores antigos concordam em que foram
vistos homens atiçando o fogo.
Os habitantes de Roma imediatamente acusaram Nero de ter
provocado o incêndio, ou pelo menos de o ter favorecido. Os antigos
historiadores abonam essa acusação, enquanto alguns modernos a rejeitam.
Deixando de lado a controvérsia histórica, o fato
inegável é que o monstruoso Imperador, para se livrar da imensa onda de
indignação levantada contra ele, lançou a culpa sobre os cristãos. Para o homem
que havia mandado matar sua própria mãe, a invenção de uma tal calúnia pesava
muito pouco na consciência.
Agindo em consequência, Nero mandou prender, de início,
todos quantos se proclamavam cristãos. Delatores movidos pelos mais espúrios
interesses logo possibilitaram a prisão de muitos outros. Quantos
concretamente? Não se sabe. Um historiador afirma ter sido “uma grande
multidão”. Todos foram sumariamente condenados à morte.
Em breve espalhou-se por todo o Império uma palavra de
ordem: “Non licet esse christianus — Não é permitido ser cristão”.
O ódio bimilenar de Satanás e de seus asseclas humanos
contra a Santa Igreja Católica está bem retratado nas cenas brutais e
escabrosas dessa primeira perseguição.
Não se limitaram os algozes a torturar e depois decapitar
ou crucificar as inocentes vítimas, em espetáculos no Circo de Calígula e Nero,
localizado na Colina do Vaticano. “Tudo quanto se pode conceber na imaginação
de um sádico a quem se concedesse plena liberdade para praticar o mal, foi
posto em prática numa atmosfera de pesadelo”, afirma o historiador Daniel Rops,
em sua monumental obra História da Igreja de Cristo.
O Imperador mandou franquear à população o jardim do
parque imperial. Aí se organizaram “caçadas” nas quais os alvos eram cristãos
revestidos de peles de animais ferozes para, assim, serem perseguidos e por fim
dilacerados pelos cães. Mulheres eram arremessadas ao ar por brutais chifradas
de touros, numa alegoria a episódios de uma fábula pagã. Não faltaram sequer
ignominiosos ultrajes e atentados à virgindade das donzelas.
Caindo a noite, os carrascos ergueram numerosos postes ao
longo das alamedas do parque, nos quais amarraram corpos de cristãos besuntados
de resina e pez, e lhes atearam fogo, a fim de servirem de iluminação para a
“festa”. Vestido de cocheiro, Nero passeava com seu carro puxado a cavalos
pelas alamedas abarrotadas de embasbacados espectadores e iluminadas por essas
tochas humanas.
São Clemente Romano, o terceiro sucessor de São Pedro,
relata as horrorosas cenas dessa noite, das quais foi testemunha ocular. E o
historiador latino Tácito, homem claramente hostil ao Cristianismo, escreveu
que tal excesso de atrocidade acabou por levantar em algumas parcelas da
opinião pública um movimento de pena em relação aos cristãos.
Estes são os Protomártires da Igreja de Roma. Seus nomes
são desconhecidos nesta terra, mas no Céu eles brilham como sóis por toda a
eternidade, e lá intercedem por nós que aqui celebramos sua gloriosa memória.
Por que Nero perseguiu os cristãos? Diz-nos Cornélio
Tácito no XV livro dos Anais: “Como circulavam vozes que o incêndio de Roma
tivesse sido fraudulento, Nero apresentou como culpados, punindo-os com penas
excepcionais, os que, odiados por suas abominações, eram chamados pelo vulgo
cristãos”.
Nos tempos de Nero, em Roma, ao lado da comunidade
judaica, vivia a pequena e pacífica comunidade dos cristãos. Sobre estes, pouco
conhecidos, circulavam notícias caluniosas. Nero descarregou sobre eles,
condenando-os a cruéis sacrifícios, as acusações feitas a ele.
Por outro lado, as ideias professadas pelos cristãos eram
desafio aberto aos deuses pagãos, ciumentos e vingativos.
“Os pagãos — lembrará mais tarde o escritor Tertuliano —
atribuem aos cristãos toda sorte de calamidade pública, todo flagelo. Se as
águas do Tibre saem do leito e invadem a cidade, se ao contrário as águas do
Nilo não crescem para inundar os campos, se houver seca, carestia, peste,
terremoto, é tudo culpa dos cristãos, que desprezam os deuses, e de todos os
lados se grita: os cristãos aos leões!”
Nero teve a responsabilidade de haver dado início à
absurda hostilidade do povo romano, que na verdade era muito tolerante em
matéria de religião, em relação aos cristãos: a ferocidade com a qual atingiu
os presumíveis incendiários não encontra justificação nem no supremo interesse
do império.
Episódios horrendos como os das tochas humanas, cobertas
de piche e incendiadas nos jardins da colina Oppio, ou como o de mulheres e
crianças vestidas com peles de animais e abandonadas à mercê dos animais
ferozes no circo, foram tais que chegaram a produzir sentimento de piedade e de
horror no povo romano.
“Então — escreve ainda Tácito — manifestou-se um
sentimento de piedade, ainda que se tratasse de gente merecedora dos mais
exemplares castigos, porque se via que eram eliminados não pelo bem público,
mas para satisfazer a crueldade de um indivíduo”, Nero. A perseguição não se
limitou àquele verão fatal de 64, mas se prolongou até o ano 67.