por Frei Carlos Mesters
Para o estudo do Evangelho de
Lucas é o livro "O avesso é o lado certo",
de Carlos Mesters e Mercedes
Lopes.
Mais informações pelo endereço vendas@cebi.org.br.
Nos capítulos 1 e 2 do seu Evangelho, Lucas
descreve o anúncio e o nascimento de dois meninos, João e Jesus, que vão ocupar
um papel importante na realização do projeto de Deus. O que Deus iniciou no AT
começa a ser realizado por meio deles. Por isso, nestes dois capítulos, Lucas
evoca muitos fatos e pessoas do AT e ele chega a imitar o estilo do AT. É para
sugerir que com o nascimento destes dois meninos a história faz a grande curva
e inicia a realização das promessas de Deus por meio de João e de Jesus e com a
colaboração dos pais Isabel e Zacarias e Maria e José.
Existe certo paralelismo entre o anúncio e o
nascimento dos dois meninos:
·
O anúncio do nascimento de João (Lc 1,5-25) e de
Jesus (Lc 1,26-38)
·
As duas mães grávidas se encontram e
experimentam a presença de Deus (Lc 1,27-56)
·
O nascimento de João (Lc 1,57-58) e de Jesus (Lc
2,1-20)
·
A circuncisão na comunidade de João (Lc 1,59-66)
e de Jesus (Lc 2,21-28)
·
O canto de Zacarias (Lc 1,67-79) e o canto de
Simeão com a profecia de Ana (Lc 2,29-32)
·
A vida oculta de João (Lc 1,80) e de Jesus (Lc
2,39-52)
COMENTANDO
Lucas
1,57-58: Nascimento de João Batista:
"Completou-se para
Isabel o tempo do parto e ela deu à luz um filho. Os vizinhos e parentes
ouviram dizer como o Senhor tinha sido bom para Isabel, e se alegraram com
ela". Como tantas mulheres do AT, Isabel era estéril: Como Deus teve
piedade de Sara (Gn 16,1; 17,17; 18,12), de Raquel (Gn 29,31) e de Ana (1Sm
1,2.6.11) transformando a esterilidade em fecundidade, assim Ele teve piedade
de Isabel, e ela concebeu um filho. Grávida, Isabel escondeu-se durante cinco
meses. Quando, depois de cinco meses, o povo pôde verificar no corpo dela como
Deus tinha sido bom para Isabel, todos se alegraram com ela. Este ambiente
comunitário em que todos se envolvem com a vida dos outros, tanto na alegria
como na dor, é o ambiente em que João e Jesus nasceram, cresceram e receberam a
sua formação. Um ambiente assim marca a personalidade das pessoas pelo resto da
sua vida. É este ambiente comunitário que mais nos falta hoje.
Lucas
1,59: Dar o nome no oitavo dia:
"No oitavo dia foram
circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias". O
envolvimento da comunidade na vida da família de Zacarias, Isabel e João é
tanto que os parentes e vizinhos chegam a interferir até na escolha do nome do
menino. Querem dar ao menino o nome do pai: Zacarias. Zacarias quer dizer: Deus
se lembrou. Talvez quisessem expressar a gratidão a Deus por Ele ter se
lembrado de Isabel e de Zacarias e por ter-lhes dado um filho na velhice.
Lucas
1,60-63: O nome dele será João!
Mas Isabel intervém e não
permite os parentes tomarem a dianteira na questão do nome. Lembrando o anúncio
do nome pelo anjo a Zacarias (Lc 1,13), ela diz: "Não! Ele vai se chamar
João". Num lugar pequeno como Ain Karem na serra da Judéia, o controle
social é muito forte. E quando uma pessoa sai fora dos costumes normais do
lugar, ela é criticada. Isabel não seguiu os costumes do lugar e escolheu um
nome fora dos padrões normais. Por isso, os parentes e vizinhos reclamam:
"Você não tem nenhum parente com esse nome!" Os parentes não cedem
com facilidade e fazem sinais ao pai para saber dele como quer que o menino
seja chamado. Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: "O nome dele é
João." Todos ficaram admirados, pois deviam ter percebido algo do mistério
de Deus que envolvia o nascimento do menino.
É esta percepção que o povo teve do mistério de
Deus presente nos fatos tão comuns da vida, que Lucas quer comunicar a nós,
seus leitores e leitoras. Na sua maneira de descrever os acontecimentos, Lucas
não é como o fotógrafo que só registra o que os olhos podem ver. Ele é como
quem usa o Raio-X que registra aquilo que os olhos não podem ver. Lucas lê os
fatos com o Raio-X da fé que revela o que o olhar comum não percebe.
Lucas
1,64-66: A notícia do menino se espalha:
"No mesmo
instante, a boca de Zacarias se abriu, sua língua se soltou e ele começou a
louvar a Deus. Todos os vizinhos ficaram com medo, e a notícia se espalhou por
toda a região montanhosa da Judéia. E todos os que ouviam a notícia, ficavam
pensando: "O que será que esse menino vai ser? De fato, a mão do Senhor estava
com ele". A maneira de Lucas descrever os fatos evoca as circunstâncias do
nascimento de pessoas que no AT tiveram um papel importante na realização do
projeto de Deus e cuja infância já parecia marcada pelo destino privilegiado
que iam ter: Moisés (Ex 2,1-10), Sansão (Jz 13,1-4 e 13,24-25) e Samuel (1Sm
1,13-28 e 2,11).
Quanto mais conhecimento você conseguir acumular
do Antigo Testamento, mais evocações vai descobrir nos escritos de Lucas. Os
dois primeiros capítulos do seu Evangelho não são histórias no sentido em que
nós hoje entendemos a história. Funcionam mais como espelho para ajudar os
leitores e leitoras a descobrir que João e Jesus tinham vindo realizar as
profecias do Antigo Testamento. Lucas quer mostrar como Deus, através dos dois
meninos, veio atender às mais profundas aspirações do coração humano. De um
lado, Lucas mostra que o Novo realiza o que o Antigo prefigurava. De outro
lado, ele mostra que o novo ultrapassa o antigo e não corresponde em tudo ao
que o povo do Antigo Testamento imaginava e esperava. Na atitude de Isabel e
Zacarias, de Maria e José, Lucas apresenta um modelo de como se converter e
acreditar no Novo que está chegando.
Fonte: http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=21&noticiaId=3153
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