Texto
extraído do livro "Raio-X da Vida"
Círculos
Bíblicos do Evangelho de João.
Coleção
A Palavra na Vida 147/148.
Autores:
Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino.
CEBI
Publicações.
OLHAR DE PERTO AS COISAS
DA NOSSA VIDA
Vamos meditar sobre o longo discurso do Pão da Vida. Depois da
multiplicação dos pães, o povo foi atrás de Jesus. Tinha visto o milagre, comeu
com fartura e queria mais! Não se preocupou em procurar o apelo de Deus que
havia em tudo isso. Quando encontrou Jesus na sinagoga de Cafarnaum, teve com
ele uma longa conversa, chamada Discurso do Pão da Vida. Por meio desse
discurso, Jesus procura abrir os olhos do povo para ele descobrir o rumo certo
que deve tomar na vida. Dá olhos novos para ler os fatos e ver melhor as
necessidades. Pois não basta ir atrás de sinais milagrosos que multiplicam o
pão para o corpo. Não só de pão vive o ser humano!
SITUANDO
Neste discurso do Pão da Vida (Jo 6,22-71), através de um conjunto
de sete diálogos, o evangelista explica para os leitores e as leitoras o
significado profundo da multiplicação dos pães como símbolo da Ceia
Eucarística. É um diálogo bonito, mas exigente. O discurso fica chocado com as
palavras de Jesus. Mas Jesus não cede nem muda as exigências. O discurso parece
um funil. Na medida em que avança, é cada vez menos gente que sobra para ficar
com Jesus. No fim só sobram os doze, e nem assim pode confiar em todos eles!
Quem lê o quarto Evangelho superficialmente pode ficar com a
impressão de que João repete sempre a mesma coisa. Lendo com mais atenção,
perceberá que não se trata de repetição. O quarto Evangelho tem um jeito
próprio de repetir o mesmo assunto, mas é num nível cada vez mais alto ou mais
profundo. Parece uma escada em caracol. Girando você volta ao mesmo lugar, mas
num nível mais alto. Assim é o discurso sobre o Pão da Vida. É um texto que
exige toda uma vida para meditá-lo e aprofundá-lo. Por isso, não se preocupe se
não entender logo tudo. Um texto assim a gente deve ler, meditar, ler de novo,
repetir, ruminar, como se faz com uma bala gostosa. Vai virando e virando na
boca, até se gastar.
COMENTANDO
Jo 6,22-27: 1º Diálogo -
O povo procura Jesus porque quer mais pão
O povo viu o milagre, mas não o entendeu como um sinal de algo
mais alto ou mais profundo. Parou na superfície: na fartura de comida. Buscou
pão e vida, mas só para o corpo. Para o povo, Jesus fez o que Moisés tinha
feito no passado: deu alimento farto para todos. Indo atrás de Jesus, queria
que o passado se repetisse. Mas Jesus pede que o povo dê um passo. Além do
trabalho pelo pão que perece, deve trabalhar também pelo alimento não
perecível. Este novo alimento é que traz a vida que dura para sempre.
Jo 6,28-33: 2º Diálogo -
Jesus pede para o povo trabalhar pelo pão verdadeiro
O povo pergunta: "O que fazer para realizar este trabalho
(obra) de Deus?" Jesus responde: "Acreditar naquele que Deus
enviou!" Isto é, crer em Jesus! O povo reage: "Então, dê-nos um sinal
para a gente saber que você é o enviado de Deus! Nossos pais comeram o maná que
foi dado por Moisés!" Para eles, Moisés é o grande líder do passado, no
qual acreditam. Se Jesus quer que o povo acredite nele, deve fazer um
sinal maior que o de Moisés. Jesus responde que o pão dado por Moisés não era o
pão verdadeiro, pois não garantiu a vida para ninguém. Todos morreram! O pão
verdadeiro de Deus é aquele que vence a morte e traz vida! Jesus
tenta ajudar o povo a se libertar dos esquemas do passado. Para ele, fidelidade
ao passado não significa fechar-se nas coisas de antigamente e recusar a
renovação. Fidelidade ao passado é aceitar o novo que chega como fruto da
semente plantada no passado.
Jo 6,34-40:
3º Diálogo - O pão verdadeiro é fazer a vontade de Deus
O povo pede: "Senhor, dá-nos sempre desse
pão!" Pensavam que Jesus estivesse falando de um pão
especial. Então Jesus responde claramente: "Eu sou o pão da
vida!" Comer o pão do céu é o mesmo que crer em Jesus e aceitar o
caminho que ele ensinou, a saber: "O meu alimento é fazer a vontade do Pai
que está no céu!" (Jo 4,34). Este é o alimento que sustenta a
pessoa, dá rumo e traz vida nova.
ALARGANDO
O Sinal do Novo Êxodo
A multiplicação dos pães aconteceu próximo da Páscoa (Jo 6,4). A
Festa da Páscoa era a memória perigosa do Êxodo, a libertação do povo das
garras do faraó. Assim, todo o episódio narrado neste capítulo tem um paralelo
com os episódios relacionados com a Festa da Páscoa, tanto com a libertação do
Egito quanto com a caminhada do povo no deserto em busca da terra prometida.
Vamos apresentar este paralelo através dos pequenos blocos que formam o
capítulo 6 do Evangelho de João.
Multiplicação dos pães
(Jo 6,1-15)
Jesus tem diante de si a multidão faminta e o desafio de garantir
o alimento para todos. Da mesma maneira Moisés enfrentou este desafio durante a
caminhada do povo pelo deserto (Ex 16,1-35; Nm 11,18-23). Depois de comer, a
multidão saciada reconhece Jesus como o "Profeta que devia vir ao
mundo" (Jo 6,14) dentro do que pede a Lei da Aliança (Dt 18,15-22).
Jesus caminha sobre o mar
(Jo 6,16-21)
Para o povo da Bíblia, o mar era símbolo do abismo, do caos, do
mal (Ap 13,1). No Êxodo, o povo faz a travessia para a liberdade enfrentando e
vencendo o mar. Deus divide o mar através de seu sopro e o povo atravessa com
pé enxuto (Ex 14,22). Em outras passagens a Bíblia mostra Deus vencendo o mar
(Gn 1,6-10; Sl 104,6-19; Pr 8,27). Vencer o mar significa impor-lhe os seus
limites e impedir que ele engula toda a terra com suas ondas. Nesta passagem
Jesus revela sua divindade dominando e vencendo o mar, impedindo que a barca
dos discípulos seja tragada pelas ondas.
O discurso sobre o Pão da
Vida (Jo 6,22-58)
Este longo discurso feito na sinagoga de Cafarnaum está
relacionado com o capítulo 16 do livro do Êxodo. Vale a pena ler todo este
capítulo de Êxodo, percebendo as dificuldades que o povo teve que enfrentar na
sua caminhada, para podermos compreender os ensinamentos de Jesus aqui no
capítulo 6 do Evangelho de João. Quando Jesus fala de "um alimento que
perece" (Jo 6,27), ele está lembrando Ex 16,20. Da mesma forma, quando os
judeus "murmuram" (Jo 6,41), fazem a mesma coisa que os israelitas no
deserto, quando duvidam da presença de Deus junto com eles durante a travessia.
A falta de alimentos fazia com que o povo duvidasse que Deus estivesse com
eles, de que Deus fosse Javé, resmungando e murmurando contra Deus e contra
Moisés. Aqui também os judeus duvidam da presença de Deus em Jesus de Nazaré
(Jo 6,42).
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