segunda-feira, 26 de março de 2012

A Demitologização

A partir das tentativas da demitologização, iniciada no século XIX, aprofundada no século XX, tentou-se reescrever e rever os dados do Antigo Testamento. A base é o método histórico-crítico. Foram tirados os livros das origens, desde o Gênesis até os juizes, do âmbito dos escritos históricos, para situá-los, puramente, no contexto teológico. Não descreveriam fatos, mas concepções de vida. Não só as figuras de Adão e Eva caíam, mas também Caím e Abel, Noé e o dilúvio, passavam ao rol das ficções teológicas. Até Abraão, Isaac e Jacó, com seus doze filhos, perderam sua historicidade, para se transformarem em modelos de fé.

Se a narrativa acerca de Abraão, venerado como pai da fé e fundador do Monoteísmo, não passa de uma ficção teológica, como fica nossa fé, que tem nele seu fundamento? É certo que os que elaboraram esta demitologização não perderam a fé abraâmica. Isto significa que esta fé existe e é plenamente histórica. Como se originou não está plenamente esclarecido, depois que se tirou Abraão, Isaac e Jacó do contexto da História. Crer que Adão e Eva não passam de figuras literárias, em nada desmerece seu significado, como concepção da origem do homem. De fato, não cremos, a rigor, nem em Abraão, nem em Adão, mas em Deus, cuja ação, em nosso favor, é narrada através das figuras literárias e figurativas de ambos. É a fé que se quer ressaltar e não um fato histórico, que eventualmente, pudesse colidir com os dados das pesquisas científicas.

Causou maior impacto a demitologização do Moisés e da epopéia do Êxodo. Parece até que o mundo da fé vinha abaixo. Se Moisés não existiu, nem houve Êxodo do Egito, nem conquista militar e sangrenta da Palestina, nem travessia do deserto ao longo de 40 anos, como fica nossa Religião? Tudo não passa de falsificação? E as pesquisas do lugar junto ao Mar Vermelho, por onde os israelitas teriam passado e o lugar do Sinai, apontado como lugar do encontro com Deus?

Na verdade, assim como não cremos em Adão, nem em Abraão, mas no Deus deles, também não cremos em Moisés, mas no Deus dele. E este existe e se revelou, de um modo muito misterioso, no passado. Nossa fé em nada diminuiu com a revolução bultmaniana. Moisés simboliza a lei divina e a organização do povo. Josué representa a entrada do Povo de Israel na Palestina. Não há dúvida que este povo morou na Palestina, quando foram escritos os livros da Bíblia. Como chegou até lá se traduz por uma epopéia de façanhas mais literárias que históricas. Após mais de mil anos, tentou-se sistematizar a doutrina revelada ao longo dos tempos. Quem entende a Sagrada Escritura ao pé da letra, o que em termos exegéticos se chama de fundamentalismo, fica, certamente, abalado com estas propostas. Confunde fé em Deus e nas suas promessas, com fé na história, com suas narrações. Crê mais na apresentação dos fatos que na acolhida de sua mensagem. Certamente a Revolução bultmaniana sacudiu os fundamentos da fé ingênua, de muita gente, bem mais que a revolução copernicana, a revolução freudiana e a revolução darwiniana juntas. Mas, apesar de tudo, a fé continua firme e Deus continua sendo amado e adorado.

O Racionalismo penetrou nas fontes da Revelação. Primeiro eliminou a Tradição. Depois devassou a Bíblia, procurando, prevalentemente, sua base histórica. Seguiu-se uma nova interpretação de suas narrativas, através do método histórico-crítico. Fala-se de uma demitologização, a reduzir a quase nada a História Sagrada. As grandes figuras bíblicas passam para o rol de personagens puramente literárias.


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