Texto extraído do livro “Caminhando com Jesus”
série A Palavra na Vida – Edição 182/183
Autores: Carlos Mesters e Mercedes Lopes
CEBI Publicações
Nos anos 70, época em que Marcos escreveu, havia muitos conflitos na vida das comunidades, mas elas nem sempre sabiam como comportar-se diante das acusações que vinham da parte das autoridades romanas e dos líderes dos judeus. Este conjunto de cinco conflitos de Marcos 2,1 e 3,6 servia como uma espécie de cartilha para orientar as comunidades, tanto as de ontem como as de hoje. Pois o conflito não é um acidente de percurso, mas sim parte integrante da caminhada.
COMENTANDO
Marcos 2,1-2: O povo procura Jesus e quer ouvir a Palavra de Deus
Depois de uma das suas viagens pelas aldeias da Galiléia, Jesus estava de volta em Cafarnaum. Quando o povo soube disso, foi todo o mundo para lá. Juntou muita gente na porta da casa. Jesus acolheu a todos e começou a ensinar. O que será que ele ensinava? Jesus anunciava a Boa Nova de Deus (Mc 1,14). Falava ao povo sobre Deus e, para isso, usava exemplos da vida (parábolas) e da história do povo (Bíblia). O povo conhecia a vida e a Bíblia, mas Jesus falava delas de um jeito novo, diferente. Falava a partir da experiência que ele mesmo tinha de Deus e da vida. Jesus vivia em Deus. Ele deve ter tocado o coração do povo que gostava de ouvi-lo (Mc 1,22.27). Deve ter falado muito bonito sobre Deus. A partir da pregação de Jesus, Deus, em vez de ser um juiz severo que de longe ameaça o povo com castigo e inferno, tornava-se, de novo, uma presença amiga no meio do povo, uma Boa Nova.
Marcos 2,3-5: A solidariedade dos amigos consegue o perdão dos pecados para o paralítico
Enquanto Jesus está falando, chega um paralítico, carregado por quatro pessoas. Jesus é a única esperança deles. Por isso, não hesitam em subir no telhado e tirar as telhas. Significa que a casa não era das melhores. Deve ter sido um barraco coberto de folhas. Eles descem o homem em frente a Jesus. Sinal de muita solidariedade. Jesus, vendo a fé deles, diz ao paralítico: Teus pecados estão perdoados! Naquele tempo, o povo achava que defeitos físicos (paralíticos) fossem todos castigo de Deus por algum pecado. Os doutores ensinavam que tal pessoa ficava impura e tornava-se incapaz de aproximar-se de Deus. Por isso, os doentes, os pobres, os paralíticos e tantos outros se sentiam rejeitados por Deus! Mas Jesus não pensava assim. Ele achava o contrário. Aquela fé tão grande era, para ele, um sinal de que o paralítico estava sendo acolhido por Deus. Por isso, Jesus declarou: "Teus pecados estão perdoados!" Ou seja, "Você não está afastado de Deus!" Com esta afirmação Jesus negou que a paralisia fosse um castigo pelo pecado do homem.
Marcos 2,6-7: Jesus é acusado de blasfêmia pelos donos do poder
A afirmação de Jesus era contrária ao catecismo dos doutores da lei. Não combinava com a ideia que eles tinham de Deus. Por isso, reagiram e, dentro dos seus corações, acusaram Jesus: "Ele blasfema!" Conforme o ensino deles era só Deus que podia perdoar os pecados. E era só o sacerdote que podia declarar uma pessoa perdoada e purificada. Como é que esse Jesus de Nazaré, homem sem estudo, leigo, um simples operário, carpinteiro, andava declarando as pessoas perdoadas e purificadas dos pecados? Mas havia ainda outro motivo que os levava a criticar Jesus. Eles devem ter pensado: "Se for verdade o que esse Jesus está falando, nós vamos perder nosso poder! Vamos perder também nossa fonte de renda.”.
Marcos 2,8-11: Ao curar, Jesus prova que tem poder de perdoar os pecados.
Jesus percebeu que eles o condenavam. Por isso, pergunta: "O que é mais fácil dizer: 'Teus pecados estão perdoados! ' ou dizer: 'Levanta-te e anda? '" Evidentemente, é muito mais fácil dizer: "Teus pecados estão perdoados!" Pois ninguém pode verificar se de fato o pecado foi ou não perdoado. Mas se eu digo: "Levanta-te e anda!", aí todos poderão verificar se tenho ou não esse poder de curar. Por isso, para mostrar que tinha o poder de perdoar os pecados em nome de Deus, Jesus disse ao paralítico: "Levanta-te, toma o teu leito e vai para casa!" Curou o homem! Assim provou, através de um milagre, que a paralisia do homem não era um castigo de Deus e mostrou que a fé dos pobres é uma prova de que Deus os acolhe no seu amor.
Marcos 2,12: A reação do povo - Nunca vimos tal coisa!
O paralítico se levanta pega seu leito, começa a andar, e todos anunciam: Nunca vimos coisa igual! Este milagre revelou três coisas muito importantes:
1) As doenças das pessoas não são consequências dos seus pecados. Os doentes não devem achar que estão sendo castigados por Deus.
2) Jesus abriu um novo caminho para Deus. Aquilo que o sistema chamava de impureza já não era empecilho para as pessoas se aproximarem de Deus.
3) O rosto de Deus revelado através da atitude de Jesus era bem diferente do rosto severo do Deus revelado pela atitude dos doutores.
Isto lembra a fala de um drogado que se recuperou e agora participa de uma comunidade em Curitiba. Ele disse: "Fui criado na religião católica. Deixei de participar. Meus pais eram muito praticantes e queriam que nós, os filhos, fôssemos como eles. A gente era obrigado a ir à igreja sempre, todos os domingos e festas. E quando não ia, eles diziam: 'Deus castiga! ' Eu ia a contragosto, e quando fiquei adulto, fui deixando aos poucos. Eu não gostava do Deus dos meus pais. Não conseguia entender como Deus, criador do mundo, ficasse em cima de mim, menino da roça, ameaçando com castigo e inferno. Eu gostava mais do Deus do meu tio que não pisava na Igreja, mas que, todos os dias, sem falta, comprava o dobro de pão de que ele mesmo precisava para dar para os pobres!”.
ALARGANDO
Doença e Pecado
Como dissemos, naquele tempo, se ensinava que todo sofrimento era fruto de algum pecado. Por isso, diante do cego de nascimento, Pedro perguntava: "Quem pecou, ele ou seus pais para ele nascer cego?" (Jo 9,1-3). Jesus respondeu: "Nem ele nem seus pais". Jesus desliga o pecado da pessoa doente. Ele não permite que as autoridades religiosas manipulem a religião, pois elas, em nome do sistema, jogavam na cara do paralítico: "Você é um pecador!" Jesus faz ao contrário: "Você não é pegador! Deus o acolhe, mesmo sendo paralítico. Sua doença não é fruto do seu pecado!" Ter a coragem de fazer esta afirmação diante das autoridades presentes era uma revolução! Uma mudança muito grande! O povo vibrava com Jesus, porque ficava mais livre! Este é um lado da medalha. Tem o outro lado.
De fato, muito sofrimento é fruto de algum pecado. Por exemplo, o sofrimento da mão que chora o assassinato do filho. Jesus tem algo a dizer sobre este outro lado. Certa vez, teve um desastre em Jerusalém. Uma torre caiu e matou 18 pessoas (Lc 13,4). Em outra ocasião, Pilatos matou um grupo de galileus e misturou sangue deles com o sangue dos sacrifícios (Lc 13,1). Jesus perguntava: "Vocês acham que eles eram mais pecadores do que os outros habitantes de Jerusalém? Eu lhe digo que não, mas se não houver arrependimento, mudança, muita gente ainda vai morrer do mesmo jeito" (Lc 13,2. quatro). Não houve arrependimento nem mudança e, 40 anos depois, Jerusalém foi destruída: muitas torres caíram e muito sangue foi derramado! Em outras palavras, muitos dos males que sofremos não são uma fatalidade, mas sim consequência de ações pecaminosas. Outros são fruto da cultura. Outros ainda são fruto do sistema neoliberal que nos foi imposto e que nos oprime. Por isso, os males que sofremos são um apelo à conversão. Apelam para a nossa responsabilidade. O que entrou no mundo como fruto de ações livres para o mal pode ser expulso do mundo através de ações livres para o bem!
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