domingo, 28 de agosto de 2011

A MISSÃO NO EVANGELHO DE MATEUS – 5ª parte

A MISSÃO NOS SINÓTICOS
Sergio Bensur

1. RESUMO E OBJETIVO

Os Evangelhos Sinóticos não apresentam uma visão unitária da “missão”. Embora tendo um pano de fundo comum cada um deles tem seu próprio jeito de considerar a missão desenvolvendo uma perspectiva original e peculiar.
Por exemplo, um aspecto que em Mateus chama a atenção é que a missão de Jesus e da Igreja está profundamente enraizada nas tradições judaicas (por isso ele dá muita importância às Escrituras), mas ao mesmo tempo está aberta desde o começo ao mundo dos pagãos.
Marcos ao contrário mostra a missão de Jesus e dos discípulos dentro dum horizonte difícil e sombrio: é uma experiência de missão que deve enfrentar muitas dificuldades e sofrimentos.
Por sua vez, Lucas em sua ampla obra em 2 volumes – Evangelho e Atos dos Apóstolos – insere a missão no contexto da “história da salvação”. Ele mostra que a missão de Jesus de um lado marca o ponto culminante das expectativas messiânicas do povo de Israel, mas do outro lado inaugura os últimos tempos entregando à Igreja a tarefa de dar continuidade à missão de Jesus dilatando a sua mensagem até as extremidades da terra.

OBJETIVO

Dentro do limite de um “esquema de aula” evidentemente não é possível levar em conta senão alguns aspectos da “missão” porque o horizonte dos Sinóticos é amplo, complexo e diversificado. Por este motivo é necessário de alguma forma selecionar um texto. A análise do texto bíblico escolhido quer ser simplesmente um instrumento de leitura para mostrar como é possível reconhecer o enfoque de um determinado evangelista, sem ter naturalmente a pretensão de esgotar o assunto.
Geralmente Mt é conhecido como o evangelista do “grande mandato” missionário a partir do final: Mt 28,16-20. No entanto no início da atividade pública de Jesus é possível reconhecer alguns elementos que determinam o desenvolvimento da missão de Jesus ao longo do Evangelho.

2. TEXTO CENTRAL - Mt 4,12-25: INÍCIO DA ATIVIDADE DE JESUS.

Após a pregação de João batista, o Batismo (3,1-17) e a superação das tentações (4,1-11) Jesus está pronto para inaugurar a sua atividade pública a ser desenvolvida em 3 etapas:

1. Na Galiléia, Jesus deixa Nazaré para se estabelecer em Cafarnaum, onde proclama o Reino dos Céus (4,12-17).

2. A narração da vocação dos primeiros discípulos assinala desde o começo o núcleo da “igreja” como comunidade de irmãos (duas duplas de irmãos: Pedro e André, Tiago e João) (4,18-22).

3. O sumário das atividades de Jesus apresenta os temas principais do evangelho (4,23-25):
- Jesus anuncia (4,17. 23)
- Jesus ensina (4,23; 9,35)
- Jesus cura (4,23; 9,35).

Dessa forma Mateus realça a tripla MISSÃO DO MESSIAS: Mensageiro do Reino + Mestre + Salvador (Kérux + didáskalos + terapeuta), e a tripla MISSÃO DA IGREJA: anunciar + ensinar + libertar.

1) 4,12-17: Jesus inaugura o Reino a partir da Galiléia
O que logo salta aos olhos é o fato de Jesus iniciar a sua missão depois da prisão de João batista e na região da Galiléia. Em 1o lugar ele deixa Nazaré (lugar de sua vida, de seus trabalho e de sua família) para morar em Cafarnaum. Este elemento é muito significativo porque mostra que Jesus antes de pedir aos discípulos de deixar tudo para segui-lo, ele mesmo deixa o seu ambiente particular para se situar num ambiente aberto e universal.
Cafarnaum é um centro importante à beira do lago onde passa um dos caminhos principais que liga a Galiléia com Damasco, situado “nos confins de Zabulon e Neftali”: trata-se de uma região onde vive uma população mista e que, portanto, tem intercâmbio comercial e cultural com o mundo pagão. É o ponto de referência fundamental da atividade de Jesus.
O que é interessante notar é que o evangelista mostra que esta mudança de Jesus de Nazaré a Cafarnaum se realiza segundo o projeto de Deus, por isso Mt usa a “fórmula de cumprimento” citando a profecia de Is 8,23-9,1. Entretanto ele está em sintonia com a tradição evangélica comprovada pelos outros evangelistas (Mc 1,21; Lc 4,31; Jo 2,12).
Se na comunidade de Mt há judeu-cristãos contrários à abertura universal da mensagem evangélica, o evangelista deixa bem claro que se eles insistirem nesta posição estão colocando em jogo o sentido profundo da missão de Jesus.
Para Mt Jesus não é só o Messias de Israel, mas é também o Salvador do mundo, pois as próprias Escrituras indicam que esta perspectiva universal já estava presente na tradição de Israel.

2) 4,18-22: o núcleo de uma comunidade de irmãos
A narração da vocação dos primeiros discípulos revela a presença de um esquema narrativo muito simples que provavelmente, a partir de recordações históricas, a comunidade cristã transformou num “modelo” referencial teológicocatequético.
Trata-se de duas cenas paralelas que narram a vocação/missão dos primeiros discípulos (duplas de irmãos): Jesus caminhando à beira do lago da Galiléia vê alguns homens que trabalham como pescadores, os chama e imediatamente eles o seguem.

Alguns detalhes chamam a atenção:
a) O evangelista de acordo com uma visão teológico-catequética dos fatos (não quer fornecer uma reconstrução histórica exata) insiste na relação pessoal com Jesus. Em 1o lugar aparece o tema da itinerância de Jesus: o fato de caminhar à beira da praia lembra o êxodo e a passagem da escravidão para a liberdade. Em 2º lugar por 4 vezes é repetida a palavra irmão mostrando desde o começo que Jesus quer constituir uma “comunidade de irmãos” onde a fraternidade seja a expressão máxima da liberdade!

b) A expressão: “vinde atrás de mim” indica antes de tudo a iniciativa de Jesus: ele não é pura e simplesmente um modelo a ser imitado, mas é início e o fim do “caminho” além de ser o companheiro da caminhada. Mas isso revela também a identidade do discípulo, o qual não deve imitar, mas “seguir” a Jesus que significa literalmente “ir atrás dele!”.
Inclusive o termo “imediatamente” assinala um momento decisivo que marca
uma reviravolta na própria vida (em seguida haverá: paradas, dúvidas, infidelidades, contradições, etc.). Os discípulos deixam tudo: os meios de trabalho (redes, barco) patrimônio e família (o pai).

c) Enfim, a expressão “pescadores de homens” indica que a missão não se limita ao povo de Israel, mas se estende a todos os povos numa dimensão realmente universal.

3) 4,23-25: Sumário da atividade de Jesus

O evangelista apresenta o resumo da atividade de Jesus realçando 3 aspectos:
ensinamento + proclamação + curas. Em seguida a narração desenvolve estes motivos que serão lembrados também no fim desta secção (9,35).

1) O ensinamento de Jesus evidentemente não é uma palavra qualquer, mas possui uma força e um significado preciso: apresenta exigências éticas e interpreta a Torah revelada no AT. Com efeito, mencionando o ambiente da sinagoga Mt quer indicar a ligação constante com a Escritura e com o lugar onde era lida e proclamada publicamente.

2)A proclamação (anunciando o evangelho de Deus) é um anúncio alegre que retoma as expressões do Segundo-Isaías: o profeta anunciava a vinda de um mensageiro que proclama a salvação (Is 52,7). No texto profético “anúncio alegre” e “reino de Deus” aparecem juntos, como no texto de Mt. Mais tarde um outro profeta, o Terceiro-Isaías fala de um misterioso mensageiro divino que exprime pessoalmente a própria missão nesses termos: “O Espírito do Senhor está sobre mim...” (Is 61,1). Mt retomando o pano de fundo profético quer indicar que Jesus é o mensageiro definitivo do Anúncio alegre. Deus decidiu soberanamente de salvar a humanidade. Com efeito, mais adiante, respondendo aos discípulos de João Batista Jesus aplica a si mesmo o texto de Is 61,1 (11,5).

3) As curas. Os gestos libertadores de Jesus mostram a eficácia e a credibilidade da Palavra. Do outro lado a Palavra mostra através dos gestos o seu significado autêntico. E evangelho fala de dimensão “terapêutica” pois de fato as curas são sinais concretos do cumprimento das promessas messiânicas (10,1.7s.; 11,4-5).

4)Além disso, Mt assinala que a fama de Jesus se espalha pela Síria ou segundo Mc 1,28 pela Galiléia e regiões circunvizinhas. Também aqui Mt quer mostrar que Jesus não se limita a um pequeno grupo, mas a sua mensagem deve alcançar todo o povo e espalhar-se por toda a região. O último v. retoma a lista das regiões das quais provinham os ouvintes de João Batista (3,5), mas acrescenta a Galiléia, cuja importância já foi frisada pela citação de Is 8,23-9,1, e menciona a Decápole região considerada pagã. O cenário está finalmente preparado para desenvolver a atividade messiânica de Jesus através da Palavra (Mt 5-7) e de Gestos libertadores (Mt 8-9).

3. CONCLUSÃO

1) Jesus deixa Nazaré para se situar em Cafarnaum num contexto aberto aos pagãos, centro de referência de toda a sua atividade. Esta mudança é interpretada à luz das Escrituras (Is 8,23-9,1) e está em perfeita sintonia com os outros evangelistas.

2) Mt deixa bem claro que a missão de Jesus está aberta ao mundo pagão desde o começo. Quem, portanto, coloca em discussão esta abertura universal aos Gentios, está colocando em jogo a missão de Jesus e o seu significado salvífico.

3) A narração da vocação dos primeiros discípulos mostra que a missão de Jesus retoma a tradição bíblica (o tema do êxodo) e revela o seu projeto de constituir uma “comunidade de irmãos”. Com efeito, no fim do evangelho os discípulos (igreja) receberão o imperativo de “fazer discípulos/irmãos todos os povos” (28,19-20), mas desde o início, essa missão universal está claramente indicada pela expressão “pescadores de homens”.

4) O “sumário” (vv.23-25) apresenta os aspectos característicos e fundamentais da atividade de Jesus: ele ensina a partir do núcleo fundamental da experiência de Israel: interpreta a Torah de acordo com a comunhão de vida estabelecida por Deus na Aliança. Por isso Ele proclama o Evangelho de Deus e realiza gestos de cura.

5) Enfim assinalando que o ensinamento de Jesus em palavras e gestos se espalha cada vez mais, Mt volta a insistir que a missão de Jesus e dos discípulos não se limita a um pequeno grupo, mas tem desde sempre um alcance universal. Em resumo se destacam os Temas típicos de Mt:
a) o cumprimento das promessas proféticas do AT no NT;
b) a abertura aos pagãos;
c) a constituição de um “novo” povo de Deus (universal e fraterno);
d) os discípulos recebem a missão de levar adiante a mesma missão de Jesus (pescadores de homens);
e) a proclamação do Reino através de gestos de misericórdia para todos os que sofrem.

4. PERGUNTAS, TAREFAS, APROFUNDAMENTOS

Escolher e analisar outros textos dos Sinóticos do ponto de vista da missão de
Jesus e da comunidade cristã.
. Qual é a relação de Jesus com o Judaísmo contemporâneo?
. Como e em que ele supera a tradição judaica para abrir-se ao mundo dos Gentios?
. Em que consiste exatamente a missão dos discípulos?

5. BIBLIOGRAFIA

L’EPLATTENIER, C, Leitura do evangelho de Lucas, São Paulo: Paulinas, 1993.
MATEOS, J - CAMACHO, F, O evangelho de Mateus, São Paulo: Paulinas, 1993.
MATEOS, J – CAMACHO, F, Marcos, São Paulo: Paulus, 1998.
OVERMAN, J. A, Igreja e comunidade em crise, São Paulo, Paulinas, 1999.
OVERMAN, J. A, O evangelho de Mt e o judaísmo formativo, São Paulo: Loyola, 1997.
SCHNACKENBURG, R, Jesus cristo nos 4 evangelhos, São Leopoldo (RS): Unisinos, 2001.
VV.AA, Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, São Paulo: Paulus, 1986.
VV.AA, Leitura do Evangelho de Mt (Cadernos Bíblicos), São Paulo: Paulus, 1982.

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